Posted: 21 Dec 2013 02:51 PM
PST
Com base no princípio de
justiça universal, familiares de torturados e desaparecidos abrem querela no
país sul-americano.
Desde abril de 2010, uma causa
aberta na Argentina alimenta a esperança de justiça para vítimas de crimes
cometidos durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), desatada pela
sublevação comandada pelo “generalíssimo” Francisco Franco, e pela ditadura
que comandou até sua morte, em novembro de 1975.
Com base no princípio de
justiça universal, que permite que os crimes contra a humanidade sejam
investigados judicialmente fora do Estado onde foram cometidos, familiares de
vítimas do franquismo decidiram apresentar uma denúncia à Justiça argentina.
Entre as denúncias estão fuzilamentos, desaparições forçadas, tortura e roubo
de bebês, entre outros.
“Não podemos ficar só com a
investigação histórica. Queremos saber quem são os responsáveis pelos crimes
cometidos e quais crimes cometeram. Queremos uma retratação perante a
sociedade”, afirma Ines
García Holgado, argentina que abriu a causa em 2010 junto a Darío Rivas, de 93
anos, filho de uma vítima do franquismo.
Em entrevista a Opera Mundi, Ines
conta que perdeu quatro parentes durante a Guerra Civil e nos anos
posteriores. Seu avô, que foi condenado à prisão por “auxílio à rebelião”,
morreu em circuntâncias duvidosas quando, já solto, caiu do sétimo andar do
prédio da Direção Geral de Pesca, em San Sebastián, no País Vasco, onde
estava exilado e atuava no grêmio de pescadores. Seu tio, que havia nascido
na Argentina e estudou medicina na Espanha, desapareceu durante a Guerra
Civil. Seus dois tios-avós, Elias e Luis García Holgado, eram políticos e
foram fuzilados por “adesão à rebelião.”
Ines e Darío abriram caminho para a abertura do processo judicial, mas hoje
são mais de 300 pessoas que fizeram denúncias que integram o expediente da
causa. “A ideia é abranger integralmente a ditadura franquista, com casos de
julho de 1936 a junho de 1977”, conta Carlos
Slepoy, advogado argentino exilado na Espanha durante a
ditadura, após ter sido preso em seu país, e que integra a equipe jurídica
que trabalha na causa aberta no país sul-americano.
“São muitos setores afetados.
Estão as vítimas diretas e também os casos de bebês sequestrados, que variam
entre 30 mil e 300 mil segundo diferentes estimativas. Depois da década de
1950, é incalculável”, diz Slepoy, que conversou por Skype com a reportagem
de Opera Mundi.
O advogado explica que o objetivo é também elucidar o assassinato de
sacerdotes opositores ao regime de Franco, violações sistemáticas de
mulheres, perseguição a homossexuais e os casos de presos políticos
submetidos a trabalho escravo durante a ditadura do “generalíssimo.”
Adriana Fernández é uma dessas mais de 300 pessoas que decidiram somar sua
denúncia à querela argentina. Depois de entrar em contato com a organização
espanhola ARMH (Associação para Recuperação da Memória Histórica), que a
ajudou na investigação sobre as circunstâncias em que o pai de seu pai havia
sido assassinado, em 1936, Adriana descobriu que seu avô não havia sido morto
em uma briga de vizinhos, como contava seu pai. No atestado de óbito que
recebeu da ARHM,
figurava que “havia sido morto na luta contra o marxismo”, o que confirmou
sua suspeita de que seu familiar tinha sido vítima da perseguição franquista.
Em 2011, Adriana
viajou à Espanha com seu pai e seu tio para exumação do corpo do avô e,
quando soube da querela na Argentina, se aproximou para integrá-la com sua
denúncia. “Não se trata só de enterrar meu avô e que ele possa ser sepultado
com a sua família. É preciso buscar justiça, lutar pela memória de todos”,
pondera. “É importante para a construção da memória de um país. E por mais
que na Espanha digam que isso é passado, são crimes contra a humanidade que
não prescrevem.”
Lei de anistia e indultos
Não é a primeira vez que a
história de ditaduras de Espanha e Argentina (1976-1983) se encontram. Em
1997, o juiz espanhol Baltazar Garzón aplicou o princípio de justiça
universal para pedir a detenção por responsáveis de crimes cometidos pelas
ditaduras de Chile e Argentina. Na época, militares e civis argentinos que
haviam sido condenados nos primeiros anos da volta à democracia estavam
anistiados por decretos que o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) assinou
entre 1989 e 1990. Em agosto de 2010, a Suprema Corte do país declarou a
inconstitucionalidade dos indultos.
“Ainda que alguns delitos não
possam ser reparados, a existência de uma justiça que castigue os
responsáveis, principalmente frente a crimes cometidos pelo Estado, significa
uma reparação espiritual”, diz Slepoy. “Quando Pinochet foi detido eu fui lá
com fotos de companheiros assassinados e desaparecidos e senti que era uma
homenagem a eles, que não tinham sido esquecidos e seus algozes estavam
pagando pelos crimes que cometeram”, lembra.
Em setembro deste ano, a juíza
argentina María
Servini de Cubría, que está à frente da causa iniciada por
Ines em 2010, emitiu, via Interpol, ordens internacionais de detenção para
quatro acusados de crimes cometidos durante o franquismo. Até agora, a
justiça espanhola não atendeu o pedido, que está em trâmite e afetaria dois
dos réus, Juan Antonio
González Pacheco y Jesús Muñecas Aguilar.
Na Argentina, mesmo com os
indultos, os movimentos de direitos humanos seguiram mobilizados por justiça
e Slepoy considera que a abertura de processos no exterior, como o que
Baltasar Garzón levou à frente na Espanha, permitiu derrubar aos poucos as
barreiras para o julgamento de crimes cometidos durante a ditadura.
“A ideia de que os direitos
humanos devem ser defendidos internacionalmente é muito efetiva, é uma
demonstração de solidariedade universal entre os povos”, avalia Slepoy.
“Nosso lema em relação aos casos do franquismo e da ditadura argentina é
‘hoje por nós, amanhã por vós’, porque sem justiça a democracia é uma palavra
feia.”
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